Três Garotas 11

Capítulo 11

Rodrigo Goldacker
9 min readAug 13, 2019
“women’s black T-shirt” by Semina Psichogiopoulou on Unsplash

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D-11.

A mãe de Diana, em um ato impaciente e ansioso, foi até a porta e a abriu.

Em um tom de voz ligeiramente autoritário, declarou:

— Vou sozinha então, vai ser mais rápido do que se fosse acompanhada. Você quer ficar pra jantar, não é? Aposto que está faminto, é uma jornada chegar até aqui.

Ele saiu de seu ligeiro torpor pensativo. Pressionado pela rapidez com que precisava responder, só conseguiu concordar com um aceno de cabeça. Diana sorriu abertamente. A mãe se despediu ligeira e encarou ambos com um olhar desconfiado antes de fechar a porta. Permaneceram em silêncio por alguns segundos. Ele continuava sentado no sofá, na mesma posição que estava desde que chegaram. Ela sentou-se ao seu lado, ainda sorrindo. Não falaram nada por alguns minutos, desconcertados pela situação em que estavam. Ela por fim quebrou o silêncio, falando baixo e com um esboço de malícia na entonação:

— Não quer ver meu quarto? Tem algo lá que eu quero te mostrar.

Ele teve um pequeno acesso de tosses. Suando, algo curioso para o clima ligeiramente fresco da noite, ele respondeu que sim. Diana levantou-se lentamente, pegou-o pela mão e levou ambos até o último quarto ao final do corredor. Abriu apenas o suficiente da porta para entrar e deu passagem para que ele fizesse o mesmo. Rindo, apresentou-lhe o aposento com um pequeno e debochado gesto de mãos.

As paredes do quarto eram azul marinho. Diversos desenhos feitos em folhas de caderno e anotações estavam grudados pelas paredes e espalhados pelo chão. Um aquário brilhava na parede oposta à da porta e um abajur de luz branca iluminava uma grande mesa ao seu lado. A cama estava desarrumada e sapatos estavam jogados no chão ao lado de uma pequena pilha de livros. O armário estava fechado e um espelho em sua porta refletia a perplexidade dele por estar ali. Ele sentou na cama sem nem mesmo pedir permissão. Curvou-se ao chão e pegou uma folha jogada. Leu nela pequenas anotações e pequenos trechos de poesia. Ela se sentou ao seu lado e apoiou a cabeça em seu ombro. Pouco depois, beijou-o.

O sexo desta vez foi um pouco diferente. Em vez de movido por uma estranha ansiedade, ambos agora iam lentos, intensos e silenciosos. Despiram-se em movimentos suaves, não pararam de se beijar e encarar durante todo o ato. Ela agia de outra maneira desta vez, ligeiramente mais humana. Permaneceram abraçados e em silêncio durante alguns momentos após o término, ofegantes e confortados. Ele finalmente levantou, vestiu-se e sentou na cama enquanto esperava que ela fizesse o mesmo. Ficaram sentados um ao lado do outro por mais alguns minutos

Ouviram a porta abrindo. A mãe de Diana tinha voltado. Diana lhe presenteou com um último beijo na testa, levantou e saiu do quarto em passos rápidos para receber a mãe.

Ele se levantou também. Espreguiçou-se e foi até a porta do quarto. Na saída, reparou em um retrato de Diana, a mãe e mais um homem desconhecido, alto, magro e sorridente. Ignorando as suspeitas, fechou a porta e encarou o corredor. Tinha decidido por um caminho de confiança e agora não voltaria atrás.

Escutou as duas conversando na cozinha. Movimentando-se lentamente, foi até a sala. Passou pelas cadeiras e pelo sofá e foi conversar casualmente, deixando-se levar pela calma do momento. Definitivamente aquela parecia ser uma ótima noite.

Assim começou um relacionamento longo entre ele e Diana. Estiveram juntos por pouco mais de um ano, mas ela se mudou para longe quando recebeu uma proposta de trabalho. Prometeram continuar juntos à distância, mas acabaram se afastando depois de um tempo. Diana se perdeu no mundo.

Este é o fim da primeira história. Diana jamais fora a garota da vida dele.

P-11.

Não existia razão para negar o convite e de fato parecia interessante conhecer a família de Pam.

Foram para a casa dela, tontos e cheios de uma animação inconsequente. Riram pelo percurso todo, formulando frases pequenas e bobas, algumas sem sentido algum.

Chegaram e passaram pelo portão de forma atrapalhada, mas ao entrarem na casa tentaram, em vão, assumir uma postura mais séria para encobertar o estado em que estavam.

Ao serem recebidos pela mãe de Pamela, ele não demorou nem um momento para perceber que algo ali daria muito errado. O rosto ossudo e repleto de sardas da mulher, de aproximados quarenta anos e com cabelos ruivos já bastante desbotados, transbordava represália antes mesmo de qualquer coisa dita. Ele não tinha certeza se Pam tinha notado o clima pesado, ou se ela decidira simplesmente ignorar, mas a expressão odiosa da mãe o intimidava de muitas formas. Ele já previa que algo desagradável se seguiria.

Sem falar muito, foram até a sala e sentaram no sofá. A casa parecia excessivamente arrumada e limpa, nada parecia estar fora do lugar. Pam ainda ria e falava tranquilamente, mas parecia ser a única alheia ao contexto. A mãe sentou-se em frente deles, numa poltrona de aspecto antigo e com bordados no pano. Esperou silêncio por parte da filha enquanto fuzilava ele com os olhos, claramente nervosa com sua presença. Alguns minutos foram necessários antes que Pam enfim entendesse, ou desistisse de fingir não entender, o que de fato acontecia ali. Quando ela se calou, sua mãe tossiu duas vezes antes de perguntar, num tom que exalava absoluta repulsa:

— Então, Pamela… Apresente direito seu amigo pra mim.

A frase vinha carregada de certo sarcasmo e com grande peso na última palavra, como se “amigo” fosse algum tipo de ofensa ou palavra proibida que a senhora relutasse muito em dizer. Pam, ligeiramente confusa e ainda não completamente ciente do que acontecia, tentou responder de forma natural. Disse o nome dele e onde se conheceram, ao que foi interrompida por um riso irônico da mãe.

— Vocês se conheceram no ônibus? Mas veja só, que conveniente… E quantos anos você tem mesmo?

A mulher se virou para ele ao perguntar. Sua raiva transparecia pelas entrelinhas sibiladas de cada palavra que dizia. Ele engasgou e respondeu com a voz quebradiça e baixa, como se estivesse em algum tipo de inquérito policial. A mulher não se compadeceu de seu desconforto e, ao receber sua resposta, riu novamente. Pam agora alternava, assustada, o olhar entre ele e sua mãe, parecendo estar bastante confusa com aquilo.

— Você não se acha muito velho para andar com minha filha? E ainda levar ela, tão jovem, pra beber? — A voz da mulher saiu controlada e baixa, mas com uma satisfação feroz por ter finalmente conseguido chegar ao ponto que queria. Pam tentou responder, mas foi ordenada a ficar em silêncio pela mãe. Ele obedeceu ficando quieta por mais alguns segundos, incapaz de responder. Não imaginara receber aquele tipo de tratamento quando fora para lá e agora via certa estupidez da própria parte em não ter esperado algo parecido. As críticas e a raiva da mãe estavam longe de ser infundadas.

— Acho que está na sua hora de ir. E talvez você não devesse encontrar mais minha filha. — A mulher encerrou com uma brutalidade austera. Pam tentou contradizê-la, mas novamente foi ordenada pela mãe a se manter- calada e acatou.

— Tudo bem, Pam — Ele disse ao se levantar, ainda ligeiramente zonzo. A mãe o encarou com um sorriso satisfeito de vitória que passava algo de ameaçador. Guiou-lhe até a saída e fechou o portão com brutalidade atrás dele. Para ele, existia apenas um sentimento de batalha perdida. Por que foram para lá? Podiam ter evitado tudo aquilo.

No dia seguinte Pam ligou, mas ele não atendeu. Estava incerto a respeito do que faria dali pra frente. A mãe de Pam talvez estivesse certa, não? Afinal, por que eles se encontravam ainda? E como poderiam continuar a se encontrar dali para frente? Escondidos? Talvez pudesse tentar se desculpar com a mãe dela e tentar encontrar qualquer tipo de acordo, mas… Era aquilo que ele realmente queria? Imaginava que acabaria tendo que falar com Pam hora ou outra a respeito disso. Qual das ideias passaria para ela nessa ocasião?

Oferecer para Pam que continuassem se encontrando às escondidas, aceitar as ordens de sua mãe e se afastar ou tentar outro contato com a família, talvez mais amigável desta vez?

M-11.

Era uma e vinte da tarde quando ele aceitou a proposta de Megan, com um suspiro de consentimento.

Ela sorriu ligeiramente com a confirmação antes de abraçá-lo e sussurrar em seu ouvido:

— Muito bem. Vamos então.

Ela pegou ele pela mão e o guiou pelas ruas até um ponto de ônibus. Esperaram lado a lado em silêncio e assim o fizeram durante todo o caminho. Ela o levou de volta à mesma praça onde estiveram na noite em que se conheceram e onde deixara o livro para que ele encontrasse. Sentaram-se no mesmo banco e se encararam por alguns minutos antes que ela tomasse coragem para começar a falar.

— Eu vou pra bem longe em breve. Você teve sorte de ter vindo me procurar tão cedo. Pedi que você não fizesse isso, mas foi bom: em poucos dias eu não estaria mais aqui. Terminar aquela história foi algo engraçado, de certa forma. Se não fosse por você, eu mostraria aquele livro para minha amiga e jogaria na rua depois, para a sorte…

Ele escutou em silêncio, sem querer dar qualquer motivo para que ela interrompesse o que contava. Provavelmente não teria a chance de escutar sua explicação novamente noutro dia.

— Eu me formei na semana retrasada, poucos dias depois daquele em que te dei o livro. Tá na hora de voltar pra casa, não posso mais viver sozinha aqui. Essa cidade é barulhenta demais e tudo aqui parece um tanto estranho… Pensei até em adiar minha viagem, talvez ficar aqui e te ver mais… Mas acho que não posso fazer isso. Agora que me formei, você seria a única coisa que me seguraria aqui e…

— Eu não sou motivo o suficiente. — Ele constatou com ligeira tristeza. Não saberia dizer se consideraria algo do tipo por Megan se a situação fosse o inverso do que era.

Ela sorriu, um sorriso amargo de concordância triste. Deu de ombros e continuou:

— Acho que talvez a gente não devesse ter se conhecido, no final das contas. Você me interessou tanto e parece tão legal, é uma pena que a gente tenha que passar por isso. Eu só queria tentar fazer as coisas do jeito mais fácil, te afastar era uma tentativa de…

— Facilitar as coisas e tentar não me magoar — Ele completou novamente. Não era uma história muito original e ele entendia as motivações de Megan agora, embora achasse seu método de lidar com isso bastante estúpido. Ainda meio triste, ele levantou do banco e se espreguiçou. Sorriu mais uma vez, aceitando a situação em que estavam, e convidou Megan para que fossem aproveitar o último dia que teriam juntos.

Almoçaram juntos. Foram ao cinema. Conversaram até tarde da madrugada na calçada em frente ao apartamento dela. Foi um bom dia. Pareciam dispostos a esquecer que não podiam mais passar muito tempo juntos.

Enquanto estavam sentados juntos na calçada, ela contava de seus planos para o futuro, de seu emprego já garantido no qual começaria daqui poucas semanas. Pareciam previsões para uma vida distante tanto no tempo quanto no espaço em que se passaria. Ele não sabia nem dizer em que lugar ficava exatamente a cidade para onde ela se mudaria.

Entraram no apartamento às duas da manhã e foram direto para o quarto. Megan o abraçava e beijava intensamente, como se tentasse gravá-lo na memória pela repetição. Passaram a noite juntos e, após o sexo, ficaram abraçados e encarando um ao outro. Deitados juntos, nenhum deles dormiu.

Às dez da manhã, ela disse que talvez ele devesse partir. Ele se sentou na cama, preguiçoso. Concordou com ela, decidindo não tentar contrariá-la. Escolhera as normas dela no dia anterior e manteria sua palavra. Despediram-se com um último beijo e ele saiu sozinho, descendo os três lances de escada. Foi caminhando lentamente pela calçada. Duas semanas depois, Megan partiu sem que ele soubesse. Num dia qualquer, vários meses depois, ele escondeu o livro que ganhara dela entre as estantes de uma biblioteca. Ele chegou a sonhar com encontrá-la novamente certa vez e procurou qualquer forma de contatá-la, mas nunca conseguiu nada. Megan se perdeu no mundo.

Este é o fim da terceira história. Megan jamais fora a garota da vida dele.

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Rodrigo Goldacker
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