Não quero me estender muito em falar sobre como seu trabalho, o Habbo como um todo e a comunidade que lá existia me afetaram enormemente, para não ser redundante a outros que falam a mesma coisa frequentemente. Então sobre isso, vou focar em só três pontos que acho que exemplificam bem.
Primeiro, as amizades mais duradouras e antigas com quem ainda tenho contato até os dias de hoje são aquelas que fiz com alguns amigos via Habbo Hotel. São pessoas que eu vi crescerem comigo, que eu admiro por quem se tornaram e para quem até hoje eu mando prints antigos de madrugadas que passamos falando besteira em quartos de pixels. Eu convivi presencialmente durante anos com colegas de escola (e depois de trabalho, faculdade, mestrado) e quando mudava de escola, o contato minguava ou era só cortado mesmo, mas as amizades que fiz no Habbo são importantes para mim até hoje, inclusive com pessoas que, em mais de 15 anos, até hoje não conheci ao vivo e com quem ainda falo mesmo assim.
Segundo, eu era um menino de uma família muito disfuncional, com muitos problemas na vida real, muito isolado, triste e sem nenhuma perspectiva de futuro, nem sonhos. Hoje eu sou mestre em comunicação, trabalho como redator há anos e vivo basicamente de escrita e isso não tem relação nenhuma com professores do Ensino Fundamental ou Médio (nenhum deles conseguiu perceber ou desenvolver meu interesse na leitura e na escrita), mas tem relação muito profunda com o Habbo ser esse espaço de experimentação em que eu pude testar ser coisas que no "mundo real" diziam que eu não poderia ser. Hoje, vejo que estava mais correto em me apegar às possibilidades que as personas digitais me fizeram ver como possíveis, o Habbo incluso nisso, do que nas limitações que a amargura e falta de perspectiva das pessoas ao meu redor, principalmente no ambiente escolar, me davam como alternativa no mesmo período.
Terceiro, tem uma fase da minha vida, mais ou menos entre 2007 e 2011, para a qual eu tenho poucas fotos e para a qual também tenho poucas memórias felizes que tenham acontecido no mundo real. Mas tenho grande carinho para essa época ainda assim porque, mesmo que a vida real fosse sofrida, eu ainda tinha pelo menos uma chance de ainda ser criança, adolescente e feliz na Internet. Dessa época, tenho saudades de pixels, revisito mais printscreens do que fotos, e hoje em dia às vezes eu vagueio por quartos digitais abandonados há mais de uma década como alguém caminharia pela escola em que estudou na infância.
Nas entrelinhas desses três pontos que mencionei está o seu trabalho, o trabalho de alguém que fez algo com amor e com dedicação para eu e muitos outros (na época) jovens, muitos que talvez não tivessem carinho ou dedicação semelhante em nenhum outro serviço, produto ou espaço que lhes era disponível. Muitos hoje adultos viveram momentos felizes graças ao trabalho da sua equipe, momentos que provavelmente vão carregar pela vida inteira. Isso vai ficar para sempre, para mim e para vários outros que têm sentimentos, nostalgia e gratidão pelo que você fez. É muito divertido hoje, mais velho e experiente do que você era lá atrás nesse primeiro emprego, perceber que você transformou vidas com aquilo que na época poderia parecer de princípio só um emprego qualquer.
Sobre o futuro do Habbo, eu tenho alguns sentimentos conflitantes. Como disse, gosto ainda de caminhar por lá volta e meia, quase como uma visita a um túmulo digital mesmo, nos espaços que ficaram para trás. Nesse sentido, algo de mim quer que pelo menos mantenham os servidores ligados, os registros lá como estão, para permitir que eu continue fazendo esse tour silencioso pelos cenários digitais da minha juventude quando me dá saudades. Mas ao mesmo tempo, superando esse apego, eu até torço um pouco para que o ciclo enquanto produto do Habbo alcance logo um fim. Vejo como jogos antigos são mantidos com carinho e dedicação por comunidades talentosas e esforçadas, como quem mantém até hoje servidores de Tíbia por exemplo, e penso que num futuro em que não exista mais um Habbo "oficial", essa comunidade muito provavelmente poderia oferecer alternativas melhores feitas com amor em projetos alternativos, comunidades menores em servidores retrô, por exemplo. Vai ser um produto de nicho, para alguns poucos e nada perto do que foi o momento de ápice do site, mas eu acho improvável que números semelhantes se repitam mesmo dados os interesses e produtos da juventude atual. Um dia, talvez o Habbo seja uma pequena comunidade, como são certas esferas do Twitter, para quem quiser vaguear e conversar descompromissado numa madrugada qualquer, por exemplo, e acho que esse ambiente vai ganhar bastante quando deixar de estar tão dependente da busca por um lucro que já não se sustenta, ou de conquistar um público jovem que hoje já tem outros interesses.
Quem sabe um dia não nos encontremos numa sala pixelada por aí para bater um papo.
Acho que falei demais. Mas queria agradecer pelo trabalho lá atrás e pelo texto agora. :)