28

Rodrigo Goldacker
7 min readFeb 21, 2023

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Hoje fiz vinte e oito anos.

Certo dia, já nos meus meses finais com a idade que agora perdi, acordei com uma estranha sensação. Sentia que subitamente eu não era mais quem tinha sido e que estava preso numa vida e numa rotina que não eram minhas. Foi como acordar de repente na vida de um desconhecido, tendo que interpretar para seguir o curso apropriado das coisas.

Mas eu acordei de novo nessa vida que não era minha no dia seguinte e ainda com a mesma sensação. E no dia depois desse. E daí de novo, mais um dia. E fui percebendo que eu não podia seguir mais da mesma maneira, interpretando uma vida que não era mais minha.

Faz pouco tempo que isso aconteceu, então ainda estou nos movimentos mais embrionários dessa grande revolução de mim. Nas últimas semanas, tenho tido conversas profundas e significativas com muita gente. Estou preparando terreno para tudo que estou transformando.

Do dia pra noite, minhas prioridades viraram de cabeça pra baixo. Nos primeiros dias desse novo estado, fiquei desesperado e em grande crise. Eu parecia tão mergulhado nesta tal vida que pouco se alinhava com minhas novas vontades que não sabia nem por onde começar. Nada parecia me fazer feliz, afinal eu não sentia que nada que eu vivia era realmente meu, e essa sensação foi tão estranha especialmente porque tudo que agora eu não reconhecia como meu era aquilo que até então parecia fazer parte de maneira mais fundamental da minha identidade.

Agora, acho que o desespero inicial já passou. A crise não está resolvida, longe disso, mas agora já tenho bem definidos os meus nortes. A cada nova conversa importante, sinto que tirei um peso gigantesco das costas. A cada objetivo ou plano que decido traçar, perco a angústia ansiosa de considerar mil possibilidades. E mesmo naquilo em que ainda não há objetivo fechado para o que quero, já consigo pelo menos ser convicto o suficiente para saber o que não quero.

Nos últimos tempos dos meus vinte e sete anos, ouvi de algumas pessoas diferentes que pareço estar atingindo uma nova maturidade. Concordo com isso, mas é divertido perceber como essa maturidade está se apresentando em dissenso ao que eu sempre entendi como maduro.

Para mim, maturidade sempre pareceu estar relacionada ao “estar bem resolvido”: maduro seria quem não tem mais conflitos, nem crises, porque já decidiu tudo e se contentou e satisfez com as escolhas que fez. Maturidade parecia, nesse sentido, algo como um ponto final, um epílogo após as jornadas.

A maturidade que estou vivendo não poderia estar mais distante dessa aí. Em um sentido completamente oposto, a maturidade que acho que atingi é uma em que enfrento meus conflitos e dou prioridade para determinadas crises frente a outras questões. É a maturidade do enfrentamento, da coragem de ter ambições, de arriscar em determinados sentidos. É a maturidade de admitir, o que no início é tão amargo quanto desafiador, que se acordou numa vida que não é mais sua. E ao mesmo tempo é uma maturidade que, ao admitir essas coisas difíceis, liberta. Porque é mais fácil ter motivação quando se entende o que se quer realmente buscar e se deixa de ter medo da luta.

Hoje, chego aos 28 extremamente ciente do que quero e não quero ser e fazer do meu tempo limitado nesse mundo. Sei quem são as pessoas que amo e quero próximas, sei quais são minhas ambições artísticas, acadêmicas, profissionais. Chego aos 28 ciente de que não vou mais fugir de mim por medo.

Eu não gostaria que esse texto parecesse uma besteira motivacional de coach barato do Linkedin. Então acho que vale mencionar que essa situação, em que podemos revisar nossas prioridades e priorizar sonhos, é uma situação de privilégio. Não é só porque tive um estalo mágico que alcancei essa situação recentemente, é também porque minha condição material se tornou menos precária. Eu nem de longe seria capaz de estar passando por uma crise desse tipo quando vivia num cortiço, pagando aluguel e afundado em dívidas. As prioridades ali eram tão urgentes que não sobrava nenhuma energia ou caminho para viabilizar um luxo como são os sonhos. A maior parte do Brasil, rendida em subempregos limitados (isso quando ainda dá a sorte de estar pelo menos empregada), agradece ao pouco que tem sem nem sonhar em algo tão idealista como “focar nos próprios sonhos”. Ninguém sonha direito quando os boletos estão acumulando no fim do mês.

Dito isso, conheço gente muito privilegiada, inclusive mais privilegiada do que sou, que escolhe se manter em letargia por medo. Desvendar-se é difícil. É muito frustrante ter construído uma vida que era perfeita para um determinado Rodrigo que já fui e perceber que o Rodrigo que agora sou precisa que eu construa uma vida nova completamente diferente. É amedrontador sair da zona do conforto, do lugar comum, e questionar o que se deseja, arriscar e apostar alto por esses desejos, sacrificar algo por esses desejos.

Mas a vida sem essas apostas perde muito do seu sabor. Fico feliz que aos 28 eu ainda tenha coragem suficiente para, mesmo diante dos aspectos mais práticos da vida, arriscar tudo pelos meus propósitos mais profundos. Minha vida seria uma encenação se eu não fizesse isso. Poderia ser uma encenação muito convincente, tanto para os outros quanto talvez até para mim, e poderia ser uma encenação muito confortável também. Mas seria falso, superficial — e como só tenho uma vida para viver, quero vivê-la tentando viver de verdade.

Quando entrei nos 27, fiz uma pequena previsão de que acreditava que meu ano seria movimentado principalmente por ambições. Acho que de todas as pequenas previsões que fiz a meu respeito nesses anos todos em que venho mantendo a tradição de escrever algo aos meus aniversários, essa deve ter sido de longe a vez em que acertei mais profundamente — e isso foi um pouco um acidente. Meus 27 foram mesmo guiados por minhas grandes ambições que não só varreram da minha vida tudo que era distração destes caminhos, como semearam e fizeram fundações daquilo que acredito que viverei nos anos futuros.

Aos 27, eu publiquei um ensaio como meu primeiro livro junto a uma editora. E agora estou com 80% pronto do meu próximo ensaio, ainda mais ambicioso, que dá prosseguimento a essa minha ambição de escrever estruturando minhas ideias. Aos 27, eu pela primeira vez testei muitas novas funções no trabalho e agora já sei para onde vou encaminhar minhas próximas ambições profissionais. Aos 27, eu publiquei um livro na Amazon para concorrer ao Prêmio Kindle. Não ganhei, mas agora já tenho certo qual é o livro que vou inscrever de novo no prêmio desse ano e qual inscreverei no prêmio do ano que vem. Aos 27, eu terminei meu mestrado. E já sei quais são os próximos passos da minha vida acadêmica, como o próximo mestrado que quero cursar e o caminho para onde levarei no futuro um doutorado. Aos 27, eu revisei e compilei o melhor do que escrevi até aqui e já sei o que quero escrever daqui para frente. Aos 27, eu refleti sobre cidades em que quero ou não quero morar, sobre ter ou não ter filhos, sobre ficar ou não no país, sobre viajar ou não nas próximas férias, sobre construir ou não uma casa, e revisei com isso todas as minhas ambições, vontades nessa vida e caminhos para o futuro.

Nos últimos dois anos, eu vivi uma vida com poucas surpresas. Quando terminei meus 26 e entrei nos 27, eu não enxergava grandes incertezas no futuro próximo sobre como seriam minhas rotinas. Eu trabalhei mais ou menos do mesmo jeito, vivi no mesmo lugar, pensei da mesma maneira, durante a maior parte desses dois anos.

Agora, entro aos 28 sem fazer a menor ideia do que vai ser daqui para frente. Essa incerteza me dá um alento tremendo. Eu acredito que me sinto um pouco preso quando acho que sei como minha vida vai se desenrolar. É mais leve olhar para o futuro cheio de sonhos, de propósitos, de ambições, de vontade de viver, sabendo que quero fazer tudo diferente do que faço hoje e sem fazer a menor ideia de para onde tudo isso vai me levar, sem fazer a menor ideia de onde estarei aos 29, incapaz de até mesmo arriscar uma previsão do que essa próxima idade será para mim além de completamente imprevisível e (o único palpite que arrisco dar) muito movimentada.

É surpreendente para mim alcançar os 28 com essa indefinição e energia. É algo que eu associava com a juventude, algo que eu vivia com bastante força há uma década nos meus longínquos 18 anos, e que eu achava que não recuperaria ou viveria de novo com essa idade.

Entro nos 28 com uma alegria e uma paixão por viver que não sentia dessa maneira quando entrei nos 25, nos 26, nos 27 anos. Tomara que minhas ambições me levem a bons resultados, mas mesmo se não me levarem, que alívio é só estar disposto novamente a buscar. Que alívio estar tão perdido e tão sonhador de novo.

Entro no 28 com vontade de viver e de sonhar.

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