27
Hoje fiz vinte e sete anos.
Foi um pouco sem querer que fui instituindo uma pequena tradição desde meus vinte e um: a de me dar de presente um texto por ano nessa data, falando sobre como tem sido minha jornada e sobre minhas expectativas pelo ano que vem pela frente.
Nos primeiros anos, era pouco mais do que um parágrafo. Com o tempo, fui me empolgando. Antes de escrever isso, por exemplo, eu revisei meus textos dos vinte e cinco e dos vinte e seis. É divertido ver como minha trajetória marcou e influenciou minhas palavras em cada um desses períodos. É também um pouco um alívio me sentir agora outra coisa, outra pessoa que escreve, com coisas diferentes para refletir e para dizer.
Meus últimos anos tinham sido bem atribulados e eu tinha bastante peso e amargor para trabalhar inclusive ao falar sobre como eles aconteceram. Foram tempos muito difíceis, com muitas complicações e mudanças.
E agora, como foi?
Foi bom. Gostei muito dos meus vinte e seis anos.
Foi uma idade muito tranquila e ao mesmo tempo produtiva para mim. Intercalei meu tempo principalmente entre lidar com responsabilidades e viver bons momentos meus. Às vezes, até as responsabilidades eram bons momentos meus, o que facilitou bastante o processo de lidar com elas.
Para mim, foi um ano de bons silêncios, boas paisagens, de leituras e escritas.
Foi um tempo gostoso de introspecções serenas.
Eu vou lembrar desse ano como um momento no qual li bastante, ainda mais do que meu habitual. Criei um costume de sentar num canto de sombra no quintal de casa, com minhas cachorras junto, vendo a paisagem durante as tardes; ficava horas lendo todos os textos da semana e fazendo marcações no que era importante.
Vou lembrar desta idade como aquela em que trabalhei normalmente nas noites tranquilas, ouvindo música e parando de tempos em tempos para olhar o céu estrelado e a lua.
Vou lembrar como aquela idade em que saí frequentemente para caminhar pelas estradinhas de terra, vendo gatos, esquilos, pássaros, lagartos, cobras, montanhas, árvores, rochas antigas e marcadas.
São imagens que podem parecer meio banais e bobas para outras pessoas, mas que valorizo muito. Sinto-me feliz por ter tido experiências assim, de ter finalmente vivido alguma paz que faz anos procurava.
Isso não quer dizer que a vida foi fácil, aliás pelo contrário. Eu ainda vivi todo tipo de situações complicadas nesse intervalo, desde aquelas que todo mundo vive (burocracias e prazos, pagar boletos e lidar com dinheiro no geral, etc.) até as que foram bem particulares minhas, também bem mais complicadas. Também vivi de novo as amarguras de tentar olhar para o mundo e para as dores dos outros, o que é ainda mais desafiador em momentos caóticos como estes tempos têm sido.
Mas pela primeira vez, acho que esses problemas todos não me afogaram. Aprendi de verdade a separá-los desse outro lado de serenidade que mencionei. Nesse sentido, sinto que terminei um amadurecimento que eu já vinha esboçando e comentando nos anos anteriores.
Eu acho que meus 27 vão ser um pouco diferentes disso tudo. Depois de ter conquistado um tempinho de sossego, no futuro tenho planos mais ambiciosos para novas mudanças. Terminando o mestrado, quero tentar dar aulas; quero seguir desenhando; nesse ano pretendo terminar meu novo livro, que tinha me desafiado a terminar até o meu aniversário de hoje (não deu); eu não sei se ainda estarei onde estou nos anos futuros, quais serão minhas novas paisagens.
Sinto que saio dos 26, também, mais tranquilo para ser ambicioso, mesmo quando esta ambição fracassar.
Eu sinto que a resignação às vezes pode ser um pouco uma estratégia de escape: se não há nada em que se aposte, nada pode dar errado. Eu achava, também, que existia um “prazo de validade” na vida a respeito de até onde dá para apostar. Achava que aos 27 eu estaria cansado e encaminhado demais nas consequências do que fiz antes para querer tentar qualquer coisa minimamente diferente.
Eu não mantenho mais estas duas opiniões. Fui deixando de pensar assim com o passar desse ano, principalmente enquanto caminhava pelo mato, vendo o mundo e pensando na vida.
Aprendi a conciliar duas coisas que são difíceis de se encaixar juntas, mas que parecem tornar minha vida mais completa: de um lado, essa ausência de expectativas para tentar enxergar o mundo da forma mais honesta e direta possível, lidando com as consequências do que foi feito antes, com as limitações e responsabilidades de agora; de outro, uma possibilidade de, mesmo assim, construir abertura para novos anseios e desejos, ambições e apostas.
Eu fico muito feliz de pensar nas apostas que fiz, nas que deram certo e também nas que deram errado, e fico feliz de pensar em usar do resto do meu tempo finito nesse mundo para fazer apostas novas.
Entro nos 27 feliz por aos 27 estar.